quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Homenagem ao malandro

Organização do Palácio das Artes resolveu fazer uma homenagem ao malandro no primeiro dia de vendas para as apresentações da turnê “Carioca”, de Chico Buarque, a serem realizadas no início de dezembro.

Com início das vendas previsto para as dez horas de 26 de outubro, às 9 da manhã a fila já dobrava a esquina da Avenida Carandaí em direção à Ezequiel Dias. É natural que a organização do evento não previsse tamanha procura, tendo em vista que Chico Buarque costuma se apresentar sempre em Belo Horizonte em suas tantas turnês realizadas nos últimos anos. É natural que três caixas consigam realizar com agilidade de modo a evitar acúmulo de pessoas a venda de cerca de 6400 ingressos em um só dia. É também natural que não seja necessário nenhum esquema especial já que aquela tal malandragem do brasileiro não existe mais. Aqui todo mundo respeita todo mundo, respeita as regras, respeita as leis, sobretudo a lei de Gérson. É absolutamente compreensível que uma pessoa que chegou às oito horas da manhã e encontrou cerca de 200 pessoas à sua frente não consiga adquirir quando chega sua vez as nove horas da noite um dos cerca de 2000 ingressos localizados na parte mais privilegiada da platéia. Ao menos uma coisa foi bem prevista de modo a evitar a ação de cambistas: cada cidadão poderia adquirir “apenas” 10 ingressos (5 pares na verdade, como divulgado). E dá-lhe malandro regular profissional.

Vai trabalhar vagabundo! – dizia um amigo meu. Vai trabalhar criatura! – insistia um outro. Mas não posso, tenho que enfrentar uma fila para poder comprar o meu ingresso. Quem não se encaixa no perfil “malandro” não tem como adquirir seu ingresso. O que não faltava era gente andando assim de viés e encontrando algum conhecido para que ele pudesse fazer companhia em lugar mais à frente. Nada mais justo. Horas de fila sem algum conhecido é muito desgastante. Não faltou malandro com aparato de malandro oficial, com gravata e capital, afinal nem todo lugar na fila é tão barato. Uma grávida compra seus ingressos na fila especial. Passados alguns minutos uma grávida (a mesma) volta a comprar ingressos utilizando a fila especial. Mais algum tempo e lá está a grávida comprando mais ingressos na sua fila especial. Compreensível, afinal grávidas têm estes desejos...vai que o filho nasce com cara de Chico Buarque, o pai poderia desconfiar de algo.

Parabéns ao Palácio das Artes por este show de organização. Parabéns ao malandro que nunca se dá mal, furou a fila, comprou lugar ou deu um jeitinho qualquer. É uma pena que malandros par valer não poderão comparecer. Dizem as más línguas que ele agora trabalha e não pode se dar ao luxo de matar apenas um dia inteiro do trabalho. Vai trabalhar vagabundo!!!

***escrito originalmente em 27/10/2006
***apesar da crítica visto aqui minha própria carapuça. Só garanti meu ingresso graças à amiga da amiga de minha amiga que passou o dia inteiro na fila e como não tinha estourado sua “cota” de 10 aceitou gentilmente adquirir meu ingresso e de minha amiga, que era amiga de sua amiga.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O dia da festa

Aquele título significava tudo pra ele. A esperança de finalmente poder comemorar com seu time aquela conquista tão sonhada desde seus doze anos o deixava alegre e ao mesmo tempo tenso. Há muito a torcida não ficava tão empolgada com as atuações da equipe. Ele não se concentrava mais no trabalho, a namorada o largou pois não agüentava mais: ele só tinha olhos e mente voltados para a realização daquele sonho, que era seu mas não dependia em nada dele. Acompanhou o time em todos os jogos do campeonato. E agora naquela grande final ele estava ali deitado naquela maca de metal fria aguardando que alguém o viesse buscar. A enfermaria do estádio tinha um ar mórbido, com as paredes pichadas pelos torcedores com os lemas de suas torcidas organizadas e com frases do tipo “daqui não se sai com vida”. A impressão era de que ele estava na enfermaria de um presídio. Na sala havia três macas sem colchão como a sua. As outras duas estavam desocupadas. O enfermeiro saiu para procurar o médico de plantão que provavelmente estava em meio aos torcedores. O deixou ali sozinho e disse que radinhos eram proibidos no local.
O silêncio naquele lugar era assustador. Muito ao fundo apenas era possível “sentir” os gritos da torcida, porém sem identificar o que cantavam. O único som ouvido ali era o de peças metálicas de tocando, devido ao constante movimento das macas resultantes da vibração no estádio. A vibração parecia cada vez maior o que o deixava mais tenso: será que haviam feito um gol? Aos poucos a vibração foi voltando ao normal e ele levou um imenso susto quando a porta se abriu. O enfermeiro trazia um torcedor apoiado em seus ombros e pulando em uma perna só: “empatamos...empatamos!!!”, gritava empolgado o homem com a perna quebrada. Foi possível perceber pela conversa com o enfermeiro que ele havia torcido o tornozelo enquanto pulava na comemoração do gol na arquibancada. Ao saber do empate um misto de alegria e arrependimento o tocou. Ele levantou a mão como que comemorando e saudando o torcedor que trazia a boa notícia e foi prontamente seguro pelo enfermeiro: “já disse para não tirar a mão da barriga!” E tinha razão. Aquele pequeno momento em que levantou o braço fez aumentar consideravelmente a poça de sangue formada na maca pelo que escorria de seu ferimento no abdômen.
Ao ver o sangue a alegria foi dando lugar totalmente ao arrependimento. Começou a pensar que se tivesse ficado quieto no intervalo poderia estar lá empurrando o time rumo à virada. Mas ele não agüentou sair perdendo no fim do primeiro tempo e assistir quieto as provocações da torcida rival. Ficava feliz ao lembrar de como acertou a primeira voadora no magrelo que estava de costas conduzindo as musiquinhas ofensivas. Porém depois disso a confusão generalizada tomou conta do lugar e ele só lembra de ser atingido na altura do estômago por uma lâmina, cair no chão e sentir ser deferido em seu rosto o primeiro chute. Acordou dez minutos depois na enfermaria, de acordo com o enfermeiro que disse a ele ter muita sorte de ter retomado a consciência tão rapidamente.
Naquele momento ele sentia uma tonteira muito forte mas conseguiu ainda perguntar ao torcedor do tornozelo quebrado se o time havia melhorado: “tá jogando muito, bem diferente do primeiro tempo. Com certeza vamos virar...ainda deve ter uns dez minutos de jogo”. Ao ouvir isso ele já começou a imaginar o dia seguinte: ele já melhor comemorando o título pelas ruas da cidade, lavando a alma de tantos anos de gozações que teve de agüentar da torcida rival. Ele seria a pessoa mais feliz do mundo. Valeu a pena esperar.
De repente as macas começaram a vibrar como nunca e a esperança do gol da virada tomou conta dele. Como de impulso ele levantou novamente o braço e foi de novo repreendido pelo enfermeiro. A poça de sangue começou a pingar no chão e sua dor aumentou muito. A vibração do estádio deixava ele ainda mais tonto. Um forte dor de cabeça surgiu e a vista começou a escurecer. De repente uma forte luz atingiu seus olhos e ele perdeu novamente a consciência. O enfermeiro saiu correndo para procurar novamente o médico e alguns amigos que haviam ido com ele ao estádio adentraram a enfermaria para lhe dar a notícia do gol da virada aos 48 do segundo tempo. Entraram cantando e vibrando sabendo que dariam a melhor notícia da vida do amigo. Tarde demais. Ele estava morto.
No dia seguinte sobre o caixão foi colocada uma bandeira com o escudo do clube e sobre ele já estava bordada a estrela que representava o título tão sonhado ganho na véspera. Enquanto o caixão descia o choro da família se misturava aos gritos de “é campeão” de vários torcedores que foram ao cemitério em troca de alguns reais patrocinados por membros da imprensa com o intuito de dar mais dramaticidade àquela reportagem.

***escrito originalmente em 17/05/2005

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Explicação

Bom,

considerando que já fazem 3 anos do ocorrido que gerou o "poeminha" do último post e que nem todos que acessam aqui são mineiros e fãs de futebol acho que se faz necessária uma breve explicação para contextualizar os versos escritos.
O "poema" parte de uma célebre frase do escritor mineiro Roberto Drummond e que é utilizada como uma espécie de "segundo hino" do Clube Atlético Mineiro, onde ele diza que "se houver uma camisa preto e branca pendurada no varal em dia de tempestade, o atleticao torce contra o vento".
Além disso, o "poema" busca referência sempre ao Hino oficial do clube, a começar pelo título que parodia a frase final do hino "uma vez até morrer". O fato do "poema" possuir um título já chega a ser uma ironia, mas não irei entrar neste (de)mérito.
O "poema" foi escrito pouco antes do rebaixamento do clube à série B do Campeonato Brasileiro, no ano de 2005. À época o time mineiro ocupava a última colocação na tabela de classificação e seu rebaixamento era dado como certo.
O "poema" se dirige a Roberto Drummond (ou à sua frase) logo na primeira estrofe afirmando que desta vez a torcida não adiantou e se afogou na tempestade, jogando o time no escuro abismo da série B enquanto ocupava humilhante posição de lanterna da competição(luz da humilhação).
O silêncio na alvorada é uma referência ao "canto dos galos ao amanhecer", uam das definições do dicionário Aurélio para esta palavra, lembrando que o galo é o mascote do Clube Atlético Mineiro. A estrela que se apaga é a tão aclamada estrela amarela que o Atlético Mineiro ostenta sobre seu escudo e simboliza a conquista do Campeonato Brasileiro de 1971. É uma alusão ao rebaixamento que será tão inesquecível quanto este importante título, apagando assim o seu brilho. O "gelo" derretendo, a "raça" que não "vingou" são referências encontradas no hino do clube: "(...)nós somos campeões do gelo(...)jogamos com muita raça e amor(...)galo forte vingador".
Na última estrofe o "pranto do seu filho" faz referência a um dos principais personagens do rebaixamento alvinegro. Euller, o filho do vento, e seu choro era fotografado a cada derrota do Atlético Mineiro e ocupava as páginas dos jornais. Porém desta vez nem seu choro salvou o clube, uma vez que no ano anterior o Atlético havia escapado do rebaixamento ao vencer o São Caetano na última rodada por 3 a 0. Na época houveram denúncias de que o jogo havia sido vendido, mas nada foi provado. Fato é que o então jogador do São Caetano, Euller, que antes do jogo declarou ser atleticano e não gostaria de ver o time rebaixado e que durante a partida não acertou um passe praticamente, pouco tempo depois estava vestindo a camisa e assinando contrato com o Atlético Mineiro. Desta vez, estando do lado de dentro ele nada pôde fazer. Nem o pranto do "filho do vento" conseguiu fazer com que ele (o vento) desse uma trégua na tempestade. A camisa preto e branca já não estava mais lá. A cena do varal vazio apenas ratifica a vitória do vento sobre ela.

sábado, 18 de outubro de 2008

Uma vez até 2005

na expectativa do jogão de amanhã, segue uma lembrança de alguns anos atrás:

Uma vez até 2005

É Roberto....
Desta vez não teve jeito.
Desta vez nossa torcida
se afogou em nosso peito.

Desta vez a tempestade
nos jogou na escuridão
acendendo em nossa face
somente a luz da humilhação.

Fez-se silêncio na alvorada
Nossa estrela se apagou
Nosso gelo derreteu
Nossa raça não vingou.

Nem ao pranto de seu filho
desta vez ele cedeu.
O varal está vazio.
Foi o vento quem venceu.

***escrito originalmente em 31/10/2005

domingo, 12 de outubro de 2008

Notícias de um fim de semana

Muita gente me questiona sobre esta questão da renovação dos textos a cada 4 semanas. Perguntam se não dá pra mudar toda semana, se nessas 4 semanas o texto é exatamente o mesmo, se não há nada diferente.
Sobre mudar toda semana eu sempre digo que não vale a pena. Primeiro porque ninguém irá assistir toda semana e se a pessoa quiser acompanhar todo o trabalho do grupo ela tem 4 dias diferentes para poder ir. Segundo porque chegar num texto de 12 minutos não é nada fácil e ter todo este trabalho para fazer aquele texto apenas uma vez acaba levando a mensagem (ou piada) que você fez com tanto carinho para relativamente pouca gente. E terceiro porque é praticamente impossível se renovar um material toda semana mantendo a mesma qualidade. Dou como exemplo o programa Casseta & Planeta. Não há o que se discutir no talento daquele grupo, mas não há como negar que quando o progama era mensal ria-se muito mais a cada programa. O proceso criativo necessita de tempo.
Sobre a apresentação ser exatamente a mesma também dou a mesma resposta: uma apresentação nunca é igual a outra. Sempre haverá um comentário feito na hora, uma intervenção de alguém da platéia ou um comentário sobre algo que ocorreu recentemente. Para ilustar este caso coloco este vídeo abaixo onde faço um comentário sobre duas notícias que haviam ocorrido na véspera. É o tipo de piada que se faz apenas uma vez, pois mais pra frente já não faz tanto sentido.
Aproveito para lembrar que nesta terça-feira dia 14 de outubro estrearemos texto novo no Canapé!! E na quarta-feira faremos uma apresentação especial no auditório da Escola de Arquitetura da UFMG. Lá mesclaremos textos de todo o repertório. Se você perdeu nossas primeiras apresentações é uma ótima oportunidade para assistir. A apresentação começará as 19:15 e a Escola de Arquitetura fica na esquina da Rua Gonçalves Dias e Paraíba.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Redescobrindo segredos de Ouro Preto

Ah!...Ouro Preto...
Que belas surpresas você nos revela a cada instante...
Que belos segredos você guarda em suas ladeiras...
Cá estou eu frente a mais um deles.
Talvez segredos que já conhecemos,
mas nos causam a mesma emoção ao "redescobri-los".
E aqui estou aos pés do morro.
Marília de Dirceu ao meu lado assovia um vento frio e úmido
como um convite a subir
e adentrar por entre a saia da "noiva seminua".
Olho para cima e nada vejo.
Apenas a neblina que cobre a cidade nessa manhã de inverno.
As casas sobem em uma sensual sinuosidade,
e aos poucos vão se desfazendo
e desaparecem em meio às nuvens.
E lá no topo o "gran-finale".
Qual será a surpresa que me aguarda?
Não é a primeira vez que passo ali,
mas é como se não soubesse o que encontraria.
Não há como resistir e começo a subir...
A cada passo é como se fosse sendo criado o caminho mais ao longe.
A curva com os telhados das casas vai surgindo
à medida em que alguns degraus ficam para trás.
Cada vez mais o "fantasma da noiva" vai se despindo e se revelando.
Quanto mais próximo ao cume mais emoção eu sinto.
Chegando lá em cima basta olhar ao lado.
Basta olhar ao largo.
Mesmo com a visão meio nublada não há como conter:
a respiração ofegante, o coração acelerado parece que bate na boca,
as pernas tremem, um suor frio desce por todo o corpo
e mais um segredo (nem tão secreto) é redescoberto:
Como cansa subir essa ladeira de Santa Efigênia!!!

***escrito originalmente em 22/07/2003

domingo, 5 de outubro de 2008

As flores do milharal

como eram belas as flores que brotavam em meio ao milharal da fazendinha
ah...a fazendinha...
o cheiro do doce de banana da vovó
do cural de milho...
acordar com o sol entrando como um ladrão disfarçadamente entre as falhas da janela de madeira
acordar com o canto dos galos que ao primeiro raiar do sol já se punham a disputar o canto mais imponente do galinheiro
(como eram chatos aqueles galos)
mas eram compensados pelo canto dos bem-te-vis, sabiás, rouxinóis, andorinhas, quero-queros...
o pôr do sol visto da rede do alpendre
enquanto o beija-flor vinha enamorar as belas margaridas cultivadas com amor pela vovó junto aos girassóis, que neste momento já se encontravam cabisbaixos
como era bom brincar no riachinho e se refrescar com as deliciosas limonadas do vovô
ah...o vovô...
como era bom ir dormir ouvindo as histórias que ele contava
de suas aventuras na fazendinha
de quando conheceu o grande herói Poranga
de como Poranga o ajudou a plantar o milharal
como eram boas as férias na fazendinha
e como eram belas
tão belas
as flores que brotavam em meio ao milharal da fazendinha
depois do acidente nunca mais voltei na fazendinha
a caminhonete correndo
o vovô tentando parar
a vovó gritando
a árvore chegando
o vidro quebrando
meu rosto sangrando
a vovó chorando
o vovô dormindo
o vovô no céu
mamãe disse que vovô foi se encontrar com Poranga
dizem que meu rosto ficou todo marcado
não sei
após aquilo nunca mais me vi no espelho
nunca mais senti o cheiro do doce de banana
o gosto do cural de milho
nunca mais ouvi o canto dos pássaros (nem dos galos)
mas sempre vejo a visão mais bela que já tive neste mundo
sempre que saio de casa em meio aos sons e cheiros desta imunda cidade
sempre com meus óculos escuros, minha bengala e meu cão-guia
não me esqueço de como eram belas as flores que brotavam em meio ao milharal da fazendinha

***escrito originalmente em 03/03/2003