domingo, 5 de outubro de 2008

As flores do milharal

como eram belas as flores que brotavam em meio ao milharal da fazendinha
ah...a fazendinha...
o cheiro do doce de banana da vovó
do cural de milho...
acordar com o sol entrando como um ladrão disfarçadamente entre as falhas da janela de madeira
acordar com o canto dos galos que ao primeiro raiar do sol já se punham a disputar o canto mais imponente do galinheiro
(como eram chatos aqueles galos)
mas eram compensados pelo canto dos bem-te-vis, sabiás, rouxinóis, andorinhas, quero-queros...
o pôr do sol visto da rede do alpendre
enquanto o beija-flor vinha enamorar as belas margaridas cultivadas com amor pela vovó junto aos girassóis, que neste momento já se encontravam cabisbaixos
como era bom brincar no riachinho e se refrescar com as deliciosas limonadas do vovô
ah...o vovô...
como era bom ir dormir ouvindo as histórias que ele contava
de suas aventuras na fazendinha
de quando conheceu o grande herói Poranga
de como Poranga o ajudou a plantar o milharal
como eram boas as férias na fazendinha
e como eram belas
tão belas
as flores que brotavam em meio ao milharal da fazendinha
depois do acidente nunca mais voltei na fazendinha
a caminhonete correndo
o vovô tentando parar
a vovó gritando
a árvore chegando
o vidro quebrando
meu rosto sangrando
a vovó chorando
o vovô dormindo
o vovô no céu
mamãe disse que vovô foi se encontrar com Poranga
dizem que meu rosto ficou todo marcado
não sei
após aquilo nunca mais me vi no espelho
nunca mais senti o cheiro do doce de banana
o gosto do cural de milho
nunca mais ouvi o canto dos pássaros (nem dos galos)
mas sempre vejo a visão mais bela que já tive neste mundo
sempre que saio de casa em meio aos sons e cheiros desta imunda cidade
sempre com meus óculos escuros, minha bengala e meu cão-guia
não me esqueço de como eram belas as flores que brotavam em meio ao milharal da fazendinha

***escrito originalmente em 03/03/2003